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O que motivou a Guerra do Paraguai?

Conheça as principais teorias historiográficas sobre o maior conflito armado da América Latina, a Guerra do Paraguai

Pedro Américo
Pintura retrata a batalha do Avaí guerra do paraguai pedro américo tríplice aliança
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Entre 1864 e 1870, Brasil e Paraguai protagonizaram a maior guerra da América Latina. Mais conhecida como Guerra do Paraguai, o conflito também é chamado de Guerra Grande e Guerra da Tríplice Aliança.

A historiografia diverge sobre os números, porém, parece inconteste que a população masculina paraguaia foi devastada ao longo do conflito, restando a mulheres e crianças a difícil tarefa de reconstrução do país que desafiou a ordem internacional e, como o Brasil, tinha também pretensões expansionistas como forma de manter sua soberania e o status quo entre as nações.

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Leia atividade didática de História sobre a Guerra do Paraguai

Anos do Ciclo: 8° e 9°

Área: História

Tempo de Duração:
8 aulas

Possibilidade Interdisciplinar:
Língua Portuguesa

Objetivos de aprendizagem:
Identificar conflitos territoriais entre países latino-americanos no decorrer dos séculos XIX. Conhecer a organização política dos estados nacionais americanos e os conflitos na sua constituição territorial.

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Discuta com seus alunos as três interpretações mais aceitas sobre a Guerra do Paraguai

  1. Simulando um tribunal internacional, o professor pode dividir a sala em dois grandes grupos e solicitar que cada um defenda os pontos de vista de cada um dos contendores envolvidos na guerra: Brasil, Argentina e Uruguai (Tríplice Aliança) e Paraguai. Ao final, pede-se para os alunos refletirem por escrito sobre as exposições.2. Pedir aos estudantes uma pesquisa sobre as três interpretações historiográficas sobre a guerra. Em cada uma, destacar os argumentos de sustentação teórica sobre o conflito e também os pontos frágeis de explicação sobre o episódio.3. Desafiar os estudantes a voltarem no tempo e buscarem solução para o conflito entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai de forma que a guerra fosse evitada: como conciliar interesses divergentes e complexos sem se recorrer ao conflito bélico?[/bs_citem][bs_button size=”md” type=”info” value=”Leia Mais” href=”#citem_5422-8f97″ parent=”collapse_e98f-4f2c” cor=”azul”][/bs_col][/bs_row]

    Cercado, no entanto, por vizinhos que faziam aproximar seus interesses dos da potência hegemônica até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) – a Grã-Bretanha – o Paraguai encontrou no Brasil e na Argentina oposição à sua forma de condução enquanto nação autônoma, autonomia essa cuja melhor evidência tenha sido a independência em relação ao capital estrangeiro.

Para entendermos melhor esse conflito e suas consequências, precisamos retornar ao século XIX e acompanharmos o processo histórico que o gestou, bem como a configuração de cada um dos integrantes da Guerra do Paraguai.

O divisor de águas na região

O conflito armado entre os países da América do Sul é um divisor de águas na região, fundamental para se entender, inclusive, as relações internacionais entre eles em pleno século XXI.

Entretanto, voltemos ao século XIX para compreender essa questão. Na primeira onda de movimentos visando a independência política na América Latina, o Paraguai foi um dos países que saíram à frente e a conquistaram ainda em 1811.

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Pouco depois, o Brasil foi por outro caminho na mesma direção, mantendo, no entanto, as estruturas coloniais após 1822. Assim, a receita da independência brasileira trouxe entre seus ingredientes o Império, que em seu bojo cultivava a ideia da preservação territorial e mais, o expansionismo, que afetaria o destino dos vizinhos.

Ironicamente, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência do Paraguai, em 1844, porém, sua investida territorial açodou as relações com o vizinho, que expulsou o cônsul brasileiro em Assunção devido à insistência do governo brasileiro em assinar um tratado de limites e fronteiras com base no uti possidetis, ou seja, a cada país caberia o território efetivamente ocupado no momento da independência.

Ao Paraguai, interessavam as bases do Tratado de Santo Ildefonso, assinado em 1777 entre Portugal e Espanha. A investida brasileira forçando o vizinho a assinar o documento com base em suas pretensões territoriais, desde 1855, criou o impasse que se resolveria com a guerra, lembrando que, ao final desta, o Paraguai teve seu território reduzido em cerca de 40%.

Guerra e imperialismo

Antes da guerra, porém, é preciso entender como estava a geopolítica mundial naquele momento. A potência que detinha a hegemonia mundial era a Grã-Bretanha. O capitalismo entrara em nova fase em meados do século XIX, com a chamada segunda Revolução industrial, quando novas fontes de energia e consequentemente novas máquinas substituíram as antigas, aumentando a produtividade (produção de mercadorias no mesmo espaço de tempo) e também a produção, o que impulsionava pela busca de novas regiões fornecedoras de matérias-primas e também por mercados consumidores para os produtos manufaturados.

Um país que se isolava e não mantinha saldo devedor em suas transações com nenhum outro, cuja base para a troca era zerar o saldo e reforçar a autossuficiência, não era propriamente o país que a Grã-Bretanha precisava naquele momento.

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Some-se a isso o fato do Paraguai ser vizinho de Brasil e Argentina, dois dos maiores países da América Latina, região que àquela altura já se incorporava ao sistema mundial, e cuja trama envolvia a presença do imperialismo inglês em todas as partes do mundo, ao passo em que este procurava também se associar aos projetos expansionistas dos países-chave de cada região do planeta.

É isso: os expansionismos brasileiro e argentino em associação com os interesses imperiais da Grã-Bretanha teriam provocado o conflito que destruiu o Paraguai. E as pretensões deste último em relação aos vizinhos seriam apenas detalhes que reforçaram a sanha daqueles contendores. Eis a teoria historiográfica mais aceita sobre a Guerra do Paraguai.

Outra interpretação sobre a Guerra

Após 150 anos do início da guerra, emergiu outra teoria acerca das motivações que levaram ao maior conflito da América do Sul. Esta indica que Solano López, governante paraguaio, teria insuflado o conflito devido à necessidade e intenção de abocanhar mais territórios dos vizinhos e, sobretudo, uma saída para o oceano.

Em 11 de novembro de 1864, o navio brasileiro Marquês de Olinda foi aprisionado no Rio Paraguai por uma embarcação armada paraguaia. A esse episódio, seguiu-se o rompimento de relações entre os países e, em 23 de dezembro do mesmo ano, iniciaram-se as operações de guerra, com uma ofensiva de Solano López ao Mato Grosso brasileiro.

Assim, tendo sido atacado primeiro, ao Brasil não teria sido dada alternativa a não ser o contra-ataque, e, tendo em vista que Argentina e Uruguai, em outras proporções, teriam também sido provocados, a aliança entre eles para atacar o usurpador seria compreensível.

Assim, questões regionais associadas à sanha do “ditador” paraguaio teriam sido a real causa da guerra, e não o imperialismo britânico, que, nesse momento, sequer teria interesse estratégico abaixo da linha do Equador e particularmente na região do Rio da Prata.

Problematizando as interpretações

Alguns dados podem fornecer pistas importantes sobre a validade de ambas as interpretações. Em 1864, início da guerra, o Brasil tinha uma dívida externa de 7,9 milhões de libras esterlinas, e, já em 1865, esse valor chegara a 14,7 milhões. A guerra exigiu um financiamento externo que, somente em seu primeiro ano, quase fez dobrar a dívida com a Inglaterra.

O texto do Tratado da Tríplice Aliança, secretamente assinado entre Brasil e Argentina em 1º de maio de 1865, apontava a intenção de ambos dividirem mais da metade do território paraguaio.

Aliás, isso foi habilmente explorado por Solano López em seu esforço de guerra, declarando ao povo paraguaio que os destinos deste e o da pátria estavam ligados, então, fazia-se necessário morrer lutando ou ver o país desaparecer. Deu quase nisso, nos dois sentidos.

Na Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro, alguns anos antes do conflito, parlamentares já discutiam a viabilidade da guerra como forma de arrancar um tratado de fronteiras com o Paraguai.

Em 1867 e 1868, enquanto o Paraguai resiste e os aliados impõem derrotas que levarão à destruição daquele país, Brasil e Argentina, respectivamente, forçam a assinatura de tratado semelhante com a Bolívia, mostrando o cenário de guerra como alternativa aos acordos de fronteiras.

No caso brasileiro, em 1903 a Bolívia seria obrigada a assinar novo Tratado, o de Petrópolis, que revoga o de 1867 e concede o Acre, antes reconhecido como território boliviano, ao Brasil.

Terminada a guerra, o Brasil impõe um novo governo ao Paraguai, comandado por Visconde de Rio Branco, brasileiro responsável por conduzir o país por cinco anos e por assinar, em nome dos paraguaios, os tão reclamados tratados de fronteiras com Brasil e Argentina, sobretudo o primeiro.

Para além de todos esses dados, a interpretação que exalta o ufanismo brasileiro em detrimento da “ditadura” e “barbárie” paraguaias, foi construída ao longo da guerra numa tentativa de reforçar a ideia de pertencimento, tão necessário à ideia de nação que se construía no Brasil na segunda metade do século XIX, perdurando até o final dos anos 1950.

A partir dos anos 1960, no contexto da Guerra Fria e da Revolução Cubana, a qual apontou alternativa real à América Latina em relação ao alinhamento com os Estados Unidos da América, uma terceira interpretação foi construída, a fim de também criticar o imperialismo daqueles anos, voltando no tempo e reforçando seu papel no açodamento das relações entre os vizinhos – “dividir para governar” – e como os países da região não poderiam ser entendidos sem um olhar mais panorâmico, a partir de sua inserção e posicionamento no moderno sistema mundial. O Paraguai, assim, também é visto de forma um pouco mais romântica, para alguns, quase como um paraíso perdido.

De uma forma ou de outra, a história nos ensina que sem o processo histórico e a devida problematização das fontes, não chegaremos a uma interpretação válida sobre esse ou qualquer outro fato.

*Ramon Casas Vilarino é historiador, cientista político e pesquisador do Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais (Neils/PUC-SP), professor e Diretor-Geral da Faculdade Sumaré.

** Publicado originalmente em Carta Fundamental

Saiba Mais |

Livros
Brasil, Argentina e Estados Unidos – Conflito e integração na América do Sul (da Tríplice aliança ao Mercosul – 1870-2003), de Luiz Alberto Moniz Bandeira, Revan, 2003.

História da América Latina. Volume III Da Independência até 1870, de Leslie Bethell (Org.). Edusp/Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2004.

A Guerra Contra o Paraguai, de Júlio José Chiavenato, Brasiliense, 1990.

Maldita Guerra (Nova história da Guerra do Paraguai), de Francisco Doratioto, Companhia das Letras, 2003.

A Guerra do Paraguai – 130 anos depois, de Maria Eduarda Castro Magalhães Marques (Org), Relume-Dumará, 1995.

Filmes
Guerra do Brasil – Toda a verdade sobre a Guerra do Paraguai. Direção: Silvio Back, 1987.

A Última Guerra do Prata. Direção: Alan Arrais. Brasil. 2014.

Internet

Relíquias de um conflito do século XIX: 15 raras fotografias da Guerra do Paraguai. 

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